quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O Lenço

O texto fala principalmente de solidão. O personagem principal e narrador é um homem insone que não sabe a quantos dias passa sem dormir e começa a se sentir perseguido pelo sobrenatural mesmo com suas convicções materialistas, o desfecho é a canalização de toda culpa de sua insônia para um foco.


O Lenço

Sou um homem certo de minhas convicções materialistas, e talvez por isso passe as noites insone refletindo sobre o mal do mundo, agregando a este mal todo tipo de superstição ou crença, alegando que apenas pela verdade definitiva do materialismo poderíamos encarar os problemas de frente sem recorrer a seres cósmicos de poder astral e/ou divino. Antecipei minhas convicções materialistas para que quando lesse meu relato tivesse certeza que não foi escrito por um místico ou mesmo por um canastrão comum dos que lucram pela fé alheia, como feiticeiros modernos ou às vezes denotado pastor, mesmo que tal trabalho do real pastor não demande das ovelhas qual onerosa quantia além do próprio pelo. O fato é que para um homem insone nada é mais perturbador do que a possibilidade de não dormir, e é neste ponto que introduzo o caráter surreal da experiência que vivi, principalmente para mim.

Fazia oito noites que não sabia se dormira ou se estivera acordado, fora o sensível aumento da minha irritabilidade e de minhas olheiras, a falta do sono noturno ou a falta do conhecimento se houvera dormido a noite, não afetaram minhas funções biológicas nem me deixaram doente, por isso continuava indo normalmente ao trabalho, mas estava cada segundo mais preocupado quanto a minha condição insone, tanto que por vezes dispensava Carmem assim que eu chegava do trabalho e punha-me a tentar dormir desde de tarde, aumentando mais aínda meu suplício quando alcançava as quatro da manhã e eu lembrara de ter ouvido todas as badaladas desde antes do silêncio da rua que normalmente dava-se às meia-noite. Passara um mês sobre estas condições, procurei um médico que aparentemente duvidou da minha condição de insone crônico por concluir que minhas condições físicas estavam demasiadamente em ordem para que tal quadro estivesse efetivamente acontecendo. Alegou que eu estava sob forte estresse e por isso não aproveitara minhas noites de sono e conseqüentemente, ao acordar, não sabia se dormira. Recomendou-me um psiquiatra especializado e me concedeu um atestado médico para que pudesse faltar ao trabalho por uma semana. Disse que após essa semana de folga eu não precisaria do psiquiatra pois meu afastamento do trabalho me faria tão bem que o referido tratamento psiquiátrico seria desnecessário.

E assim foi. Depois dos sete dias estava recuperado, mas não por noites de sono bem dormidas.

Os primeiros dias de minha folga mantive atividades simples: assistia TV, utilizava o computador e dispensava Carmem cedo para que pudesse tentar dormir. O insucesso do meu sono nestes primeiros dias me fez começar a acreditar que dormir não dependia só de mim. Fora algum fator externo que me impedia. Aumentara a cada dia a minha repulsa por Carmem, certo dia a dispensei antes mesmo que ela entrasse em casa. Tudo nela me irritava: o seu cheiro barato de leite de rosas, as suas unhas mal feitas de lavar louça e principalmente seu lenço que protegia seus cabelos desgrenhados enquanto ela fritava algo gorduroso. Já pelo terceiro ou quinto dia percebi que o problema era ela, e suas maneiras. O seu jeito suburbano de ser deixava claro até para mim que ela era uma feiticeira.

Eu ouvia vozes na minha cabeça, algumas diziam para demiti-la, outras diziam para atirá-la da janela, mas todas concordavam em um ponto: eu deveria antes retirar dela e amarrar o lenço gorduroso na maçaneta da minha porta. Este lenço seria a razão da minha insônia. Um lenço enfeitiçado que ela vinha trazendo a minha casa desde sempre. Com uma faca eu a degolei, com uma serra para vergalhões eu a cortei em pedaços, que conservei em um refrigerador e joguei fora aos poucos durante o mês seguinte. Amarrei o lenço na porta e então descansei o sétimo dia inteiro para que só fosse acordar no oitavo e ir trabalhar.

“E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito”. (Gênesis 2:2 RA).


2 comentários:

  1. Blog show... Acho que temos alguns pontos de vista em comum... Alguma coisa entre o questionamento da solidão e o descontentamento com a manipulação das massas.... Meu blog anda parado....vou refazê-lo... cada dia tenho mudado meus pensamentos e algumas coisas lá não fazem mais tanto sentindo (engraçado, né?).... mas SEXO tem guia sim.... e não deixa de ser bom por causa disso......

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  2. O blog está show. Parabéns! Lucas, gostei muito do conto. Especialmente do desfecho, sem enrolar, em um único e curto parágrafo. Aí vão algumas correções que pediu. Quanto às vírgulas, eu usaria mais, mas reslvi não corrigir porque sem elas dá para compreender bem o ritmo da narrativa. Vamos às correções: "Faziam" é "fazia", no sentido de haver não vai para o plural. "Durmira" é "dormira", conforme você mesmo grafou um pouco mais adiante. Acho que a frase "dependera de mim..." está confusa, eu reescreveria. Assim como "que só fosse", quase no final. Um grande beijo, Cláudio.

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